O termo “gula” não é de todo estranho para nós, constantemente encontramos amigos ou familiares que após uma refeição mais que bem feita, sentam-se com as mãos sobre a barriga dizem: “Misericórdia, hoje comi demais! Pequei pela gula!”, ou ainda mais comum, é ouvirmos “Calma seu guloso, não vai acabar o mundo não!”.

São João da Cruz, grande místico cristão, escreve em seu poema “A Noite Escura da Alma”, um capítulo todo dedicado à “Gula Espiritual”, um vício que os principiantes na fé caem constantemente.

Um trecho de seus escritos diz assim: “A gula desses principiantes lhes faz exceder os limites convenientes, afastando-se do justo meio no qual as virtudes se adquirem e fortalecem. Atraídos pelo gosto experimentado em suas devoções, alguns se matam de penitências; outros se enfraquecem com jejuns, indo além do que a sua debilidade natural pode suportar. Agem sem ordem nem conselho de outrem; furtam o corpo à obediência, à qual se deviam sujeitar; chegam até ao ponto de agir contrariamente ao que lhes foi mandado”.

Percebe o risco que a alma corre?

É como se tais almas perdessem a razão. Colocam a sujeição e obediência, isto é, a penitência racional e discreta, aceita por Deus como o melhor e mais agradável sacrifício, abaixo da penitência física, que, separada da primeira, é apenas sacrifício animal a que, como animais, se movem, pelo apetite e gosto ali oferecidos. E, como todos os extremos são viciosos, com este modo de agir, vão os principiantes crescendo mais nos vícios do que nas virtudes; porque procuram satisfazer a sua própria vontade.

Torna-se uma prática vazia, simples ativismo, o fazer por fazer, quase que uma “superstição” espiritual, mortifica-se tanto o corpo na forma de obrigação que esquece do que realmente Deus admira, um coração que ama!

O demônio procura, de sua parte, perdê-los mais ainda, atiçando a gula espiritual, e, para isto, aumenta-lhes os gostos e apetites pelos exageros!

São João da Cruz alerta que, estas almas, quando impedidas de realizar algum ato de devoção, parece-lhes que não servem a Deus, principalmente quando não lhes deixam fazer o que queriam.

Veja só, ter uma vida reta e com devoções é agradável aos olhos de Deus, o exagero e a falta de limite, acompanhado de uma ausência de significado, isso não agrada ao coração do Pai.

Um exemplo, a Comunhão diária! São João da Cruz descreve, que as almas mergulhadas na gula espiritual, com o desejo de comungar, fazem as confissões de qualquer jeito, tendo mais cobiça em comer, do que em comer com perfeição e pureza de consciência. Então, seria muito mais perfeito e santo ter inclinação contrária, rogando aos confessores que não lhes permitissem comungar tão frequentemente.

A alma quando acometida deste mal, procuram constantemente consolação sensível, – seja no exercício da oração ou em qualquer outro, – mas quando não encontram, perdem a vontade de fazê-los, ou sentem repugnância em continuá-los, chegando mesmo a abandonar tais exercícios.

São semelhantes às crianças, movendo-se e agindo, não pela parte racional, mas pelo gosto sensível!

Recomendo a leitura completa desta obra cristã, absorvendo toda riqueza que nela está contida poderemos ter uma caminhada frutuosa e um encontro vivo com Jesus Cristo, nosso Salvador e Senhor!

Boa leitura, paz e bem!

Paulo Angelo Lourenço dos Santos.
Fonte: A NOITE ESCURA DA ALMA, São João da Cruz.