Cada pessoa carrega dentro de si marcas de sua criação e resquícios de sua família. Em nossa vida, podemos tentar negar muitas coisas, menos a nossa hereditariedade. Há uma intrusão do outro em nós. Somos influenciados pelas pessoas, pelo ambiente e pelo meio em que vivemos. É nesse caminho que vai se formando nosso caráter, nossa personalidade e subjetividade. É como se fôssemos recebendo uma lente para olhar o mundo e as relações. A transmissão psíquica transgeracional, a forma de interpretar o mundo e as pessoas, vão fazendo parte da herança deixada por aqueles que nos criaram.

Metaforicamente, é como se nossa personalidade fosse um conjunto de “retalhos” costurados que recebemos daqueles que nos circundam, somado às experiências que vamos vivendo. Temos um pouquinho do pai, da mãe, do amigo da rua, da vovó, da professora, da escola, do ambiente de t r a b a l h o , d o s a c o n t e c i m e n t o s e (des)encontros que a vida proporciona. São essas experiências que vão forjando o famoso: quem sou eu.

O sentimento de pertencer a uma família nos obriga a termos que nos moldar para fazer parte de um conjunto de regras e valores. Precisamos nos arranjar e criar vínculos que alimentam essas relações. A família é uma construção que diariamente vai sendo lapidada e, muitas vezes, necessita de grandes reformas nas estruturas para que não desmorone.

Esse processo exige dos membros um grande esforço, doação, sofrimento, entrega e estar aberto à transformação. Realmente, para a formação do sujeito, desde o ventre materno até o fim de sua vida, é necessário que haja sustento e suporte emocional. Não há nada melhor do que termos pessoas que nos ajudem a conter nossas emoções e se colocam à disposição para fazer a travessia da vida conosco. Precisamos ter no outro a confiança de que podemos revelar a ele nossas fraquezas, sem que esse outro utilize isso contra nós em algum momento para nos atacar

gum momento para nos atacar. É na relação com a família/amigos/mundo que podem surgi r muitos problemas e enfermidades, embora pode ser dentro dela e nas relações e dinâmicas estabelecidas que podem emergir as curas. Muitas das coisas que aconteceram contigo podem não ser sua culpa, mas há sim uma responsabilidade sua do que você vai querer fazer com aquilo que recebeu. Para nosso desenvolvimento – veja b e m e s s a p a l a v r a : D E S – ENVOLVER, sairmos do envolvimento – é necessário que revisemos as lentes que recebemos e nos questionemos sobre aquilo que nos foi ensinado, de como fomos envolvidos e as “verdades” que nos foram passadas.

Há muitas pessoas repetindo histórias de seus pais, erros passados, feridas geracionais que vão se estendendo, pois acabaram reproduzindo automaticamente aquilo que lhe foi ensinado. Isso pode se desdobrar para inúmeras áreas da vida, seja em âmbito educacional, econômico, político, saúde… A mudança exige, de cada um de nós, esforço, coragem e humildade.

O esforço é para lutarmos diariamente contra nossas más inclinações, buscando retificar aquilo que não queremos em nós. Coragem para não ficarmos olhando para o passado e culpabilizando a todos pela minha vida e minha situação. Exige que eu me olhe, me examine e assuma algumas responsabilidades das minhas escolhas. Não é porque nasci assim que precisarei chegar ao fim da vida da mesma forma. A arte de viver é que sempre podemos rees c rever nos sa história. Não podemos mudar nosso passado, mas podemos fazer coisas diferentes no presente para irmos modificando o futuro. Por último, a humildade para reconhecer que a mudança é um processo e é preciso ter paciência consigo mesmo. Também, a humildade se estabelece quando agradecemos por termos chegado até aqui. Poderia ter sido melhor? Talvez poderia, mas você chegou até aqui e deram para ti aquilo que conseguiram.

Nisso tudo, saímos da posição d e v íti m a s e c o it a d i n h o s . Encaramos nossa vida e não ficamos achando que todo mundo nos deve alguma coisa. Não tenha dó de você. É curador saber que não existe família perfeita, que não existe ninguém perfeito. Aliás, nos machucamos porque esperamos um amor perfeito das pessoas. Precisamos tirar o véu e enxergar as coisas como elas realmente são. É só diante da realidade, mesmo dolorida, que podemos mudar algo. Podemos querer que o outro mude, mas isso não está no nosso controle. Se for para mudar alguma coisa, que comecemos por nós mesmos.

Lucas Botta Antonelli Psicólogo Clínico Especialista em Psicoterapia Psicanalítica – CRP 08/21088 lucas.botta@hotmail.com   CIANORTE

Informativo Diocesano (Diocese de Umuarama) – ano 45 – Nº468 – Agosto de 2020.