O documento final do Encontro Mundial de Famílias com o Papa, ocorrido há alguns anos em Barcelona, Espanha, afirmava logo no começo: “A Família está em crise”. Depois, elencava extensa lista de circunstâncias que levavam a família a tal crise. Cada uma delas vinha antecedida pela interrogação: Está em crise, por quê? E seguia a listagem e os comentários: Por causa dos meios de comunicação, que acabam invadindo todos os espaços e zerando praticamente a privacidade? Sim, isso influencia. Mas não é por isso que a família está em crise. É por que, então? Por causa da urbanização? Em menos de um século, 80% da população que vivia no mundo rural e hoje vive nas cidades? Isso marca muito a família. Mas não é por isso a crise. Por causa do sistema de produção, que passou, majoritariamente, de agrícola a industrial? Sim, essa mudança pesa muito. Mas a crise também não vem daí. Finalmente chega a afirmação: A família está em crise por causa do consumismo.

Porém, por consumismo não se entende o puro fato de comprarmos mais do que precisamos para viver bem. Consumismo é uma filosofia, uma interpretação do ser humano que somos. É o entendimento que pensa que já sou finalizado. Já senti e experimentei tudo o que é possível sentir e experimentar na face da terra. Nada de novo pode me advir. Nenhuma novidade ou surpresa me aguarda na vida. Aí, se sou casado, meu cônjuge também é assim: finalizado e consumado. O único diferencial possível para nós é: trocar de roupa, de carro, de casa, pintar de outra cor… e, por que não? Trocar de cônjuge…!? Se fosse possível, trocava os filhos também!? Ora veja, eu finalizado, sem novidades possíveis à frente; o outro, idem. E ficarmos aporrinhando e chateando um ao outro com agendas repetidas e intragáveis!? Que insensatez!? Que desumanidade!? Vamos, antes, cada um para um lado, tocar a vida! Pronto, está armado o circo da crise familiar

Perdeu-se de vista, ficou na sombra a possibilidade cristã da vida. Não se tem no radar das compreensões o entendimento que, esforçando-se para ter paciência e suportar o outro, já ou daqui a pouco, vai ter surpresas sim, vai ser envolvido sim por outra experiência, outro momento do matrimônio. Vai ter novo encontro. Vai refundar, jogar mais fundo as âncoras do próprio matrimônio. Quando o rito celebrativo faz o casal dizer “…na alegria e na tristeza, na saúde e na doença…” a Igreja sabe que eles não sabem o conteúdo do que estão dizendo. Mas sabe também que nunca serão finalizados, nunca esgotarão as novidades que a vida encerra e propicia. A vida cristã conta com a Graça, que nunca se esgota. Família é um fenômeno universal no tempo e no espaço. Desde que o mundo é mundo e, por toda a extensão do globo, a humanidade sempre apareceu em forma de família.

Assim sendo, o arranjo família deve corresponder a uma intuição muito preciosa, muito amável, essencial mesmo ao ser humano que somos. Não só pela necessidade dos cuidados da “maternagem” como dizem psicólogos e outros (fralda + mamadeira na hora certa!!!), dos quais todo mundo depende. Há de ser por muito mais. Jesus, na Última Ceia, rezou: “Que eles sejam um, ó Pai, como nós somos um”. Para Jesus ter pedido isso em hora tão solene, há de ser porque este apelo já lateja em nós. Não gostamos da solidão. Mas também não nos satisfaz qualquer proximidade, justaposição ou arranjo de convívio com os outros. Cada um quer sentir-se a si mesmo e, ao mesmo tempo, sentir-se um com todos. No poema as palavras como que renunciam a si mesmas para deixar ser nelas a emoção e o encanto da poesia. Na música, as notas renunciam-se a si para deixar ser nelas a melodia, o fascínio e a beleza da música. Família não seria algo assim? Pai, mãe e filhos como notas de uma melodia, palavras de um poema, movimentos coreográficos de um bailado? Ninguém, isoladamente, é família. Que a melodia família ressoe no lar, depende de cada um renunciar a si mesmo para deixar ser a melodia chamada família. Que a emoção e o encanto da poesia chamada família ressoe no lar, depende da renúncia de cada um a si mesmo para deixar ser a emoção e o encanto da poesia chamada famí l ia. Deus nos acompanhe!

Dom Frei João Mamede Filho, OFM Conv
Bispo Diocesano de Umuarama – PR

 

INFORMATIVO DIOCESANO (Diocese de Umuarama) – 2020 – Ano 45 – Número 468 – Agosto de 2020